Já aprendemos no tópico “Transposição e Modulação” o básico sobre modulação. Agora que já formamos uma base teórica mais sólida, chegou a hora de aprofundar esse assunto e mostrar como modular, ou seja, quais recursos e análises podemos explorar nesse tema.
Podemos começar respondendo algumas perguntas:
Para onde podemos modular?
Podemos modular para qualquer tom, independente de onde estamos, não há nenhuma restrição quanto a isso. Porém, o mais comum é modular para os tons vizinhos, pois nosso ouvido vai se adaptar melhor a esse tipo de transição, já que existe afinidade entre essas tonalidades. Na música popular em geral, utiliza-se muito também a modulação para 1 tom acima (subir a música um tom) ou meio tom acima.
Que recursos podemos utilizar para modular?
O mais comum é utilizar as cadências. Podemos fazer progressões II – V – I, ou qualquer outra, para preparar melhor nosso ouvido à mudança de tonalidade. As cadências servem como “suavizadoras” das transições, elas preparam o caminho.
Para o improvisador, elas servem também de sinalizador para que o músico logo perceba para onde a música vai. No artigo “cadência” mostramos um exemplo de utilização das cadências para se fazer uma modulação. Veremos aqui mais exemplos dentro de músicas conhecidas.
Porém, antes disso, vale a pena ressaltar que as cadências não são a única forma de se suavizar uma transição de tonalidade. Podemos também fazer a chamada “modulação diatônica”.
O que é modulação diatônica?
É quando mudamos a função harmônica de um acorde na música; ou seja, aproveitamos o fato de que um mesmo acorde existe em tonalidades diferentes e fazemos uma transição entre essas tonalidades por meio desse acorde.
Observe esse exemplo: digamos que a tonalidade de uma música esteja em Dó maior até que, em determinado momento, aparece o acorde Sol maior, seguido de Ré maior e Si menor.
Podemos ver claramente que a tonalidade mudou para Ré maior, mas o interessante é que o acorde de Sol pertence tanto ao campo harmônico de Dó maior como ao campo de Ré maior. Na tonalidade de Dó, Sol é quinto grau (função dominante), enquanto que na tonalidade de Ré, Sol é quarto grau (função subdominante).
Moral da história: para fazer essa modulação de Dó maior para Ré maior, nós mudamos a função de Sol: ele deixou de ser quinto grau e passou a ser utilizado como quarto grau. Essa é uma maneira interessante de modular, pois nós confundimos o ouvinte fazendo um mesmo acorde atuar com outra função.
Muitas vezes, essa técnica bem empregada faz a modulação ficar quase imperceptível; a tonalidade muda e o ouvinte desavisado nem percebe!
Bom, a definição que mostramos até agora não é a única possível para modulação diatônica. Por exemplo, numa música em Dó maior, depois de Sol poderia vir o acorde Dó menor, e nesse caso estaríamos modulando para o tom paralelo usando Sol como dominante, ou seja, ele não mudou de função, apesar de ter levado a música para outra tonalidade.
Portanto, uma definição mais abrangente para modulação diatônica seria utilizar um acorde presente no campo harmônico original para levar a música até outro campo harmônico. Muitos autores também chamam esse tipo de modulação de “modulação por acorde comum/ pivô”.
Se fossemos pensar em cada possibilidade de modulação, ficaríamos uma eternidade aqui falando sobre como é possível mudar a função harmônica de um acorde (poderíamos transformar um V7 em dominante secundário; este, por sua vez, poderia virar um subV7, etc. etc.). Não vale a pena ficar discorrendo sobre esses inúmeros casos, pois seria entediante. Basta que o conceito tenha sido entendido, pois os exemplos e ideias aparecerão quando fizermos análises em músicas.
Além dessa modulação, ainda existe a chamada “modulação cromática”.
O que é modulação cromática?
É quando provocamos alguma alteração cromática em uma (ou mais) notas de um acorde do campo harmônico original para poder utilizá-lo dentro de outro campo harmônico, alterando assim a tonalidade da música. Essa frase ficou longa, mas um exemplo pode facilitar:
Digamos que novamente a tonalidade de uma música seja Dó maior. Considere a seguinte sequência: C – Am – A – D. A tonalidade aqui mudou para Ré maior, sendo que a tática foi pegar o acorde Am e alterar cromaticamente a sua terça, transformando-o em um acorde maior. Esse Lá (que antes era menor e pertencia ao campo de Dó maior) virou um acorde maior, servindo de quinto grau para Ré (Lá maior pertence ao campo de Ré maior), concluindo a modulação.
Muito bem, agora que já conhecemos os recursos, vamos mostrar um exemplo de música que contém várias modulações, para você observar como os compositores trabalham isso na prática.
A música abaixo possui 3 tonalidades: Ré maior, Sol maior e Fá# maior:
- Madalena (Ivan Lins)
Na primeira modulação, a tonalidade está em Ré maior, até que o acorde A7(9), que “deveria” resolver em D7M (resolução esperada), acaba servindo como dominante do dominante (V7/V7), pois o acorde de Ré aparece com a sétima e resolve em G7M, caracterizando a primeira modulação.
Essa modulação pode ser classificada como modulação por dominante secundário para o IV grau, que é um tom vizinho direto. A partir desse momento, a tonalidade da música passa a ser Sol maior.
A segunda modulação ocorre quando o acorde que era para ser Sol maior aparece como Sol sustenido menor (G#m7(11)). Nesse exato instante, fica difícil de descobrir para onde a harmonia está indo, mas os próximos acordes vão dar a pista. Logo depois desse Sol# menor, vem o acorde G7(#11), que é um dominante alterado, e então aparece o acorde F#7M. Portanto, concluímos que aquele Sol sustenido menor atuou como segundo cadencial de Fá sustenido maior e G7 atuou como subV7, substituindo o quinto grau V7 de Fá#, que seria C#7. A partir desse ponto, a tonalidade passa a ser Fá# maior. Repare que essa modulação foi para um semitom abaixo da tonalidade anterior, que era Sol maior.
A música ainda volta para a tonalidade inicial de Ré maior, por meio de mais uma modulação. Nesse caso, a modulação ocorre por meio de um dominante do dominante (V7/V7), pois E7 atua como dominante de Lá, que por sua vez, atua como dominante V7 de Ré. Vale a pena destacar que, antes dessa modulação, aparece um acorde de empréstimo modal do tom homônimo (A7M, pertencente ao campo harmônico de F#m, que é o paralelo/homônimo de F# maior).
Existem outras características nessa música que poderiam ser analisadas à parte, como cadências imperfeitas, acordes invertidos, entre outras coisas. Mas como nosso foco aqui nesse tópico foi o assunto “modulação”, não quisemos dispersar a análise.
Em breve mostraremos esses conceitos todos em videoaulas, inscreva-se em nosso canal para não perder.
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